
Pouco há de se entender sobre a morte, mesmo quando se morre. Apesar da curiosidade de saber se ele confrontou Deus cara a cara com o seu ateísmo, ou se ele pensou estar em um Ensaio sobre a Cegueira e percebeu nas Intermitências da Morte que, no dia seguinte, apenas ele morreu, fico constrangida por ele ter sido interrompido em sua escrita.
Há de se perceber uma larga diferença entre aqueles, cuja mente brilhante estagna em uma ou duas obras-primas, e os que estão constantemente se renovando a dar-nos a sua alma em literatura-prima. Para mim, ele está para além dessas duas categorias, ainda mais sabendo que ele recente e incansavelmente se debruçava sobre o nascimento de outra obra. Ele é mestre e tem a escrita e a sobriedade de um realismo que eu bem gostaria saber imitar, a ponto de transpirar aos que, porventura, me lerem o sentimento de perda que se instalou em mim desde que soube da sua morte, há pouco.
Não é um sentimento comparável, nem superior ao da perda de um familiar, amigo. Também não é a perda total dele, uma vez que ele se deixou ficar em literatura. É a perda da chance de sabê-lo real e físico e, quanto a isso, não me classificaria como fã, mas como admiradora que anseava vê-lo de pertinho um dia e me sombrear com tanta sabedoria.
Com a perda de alguém que se tornou minha referência literária, ainda em vida, fico com a certeza de que no dia seguinte não há imortalidade.

0 cousas:
Postar um comentário