on sexta-feira, 16 de janeiro de 2009 | 5 cousas
DELICADAS, AS AMIZADES

"Pode-se dizer tudo o que se pensa a um amigo?"

"Quanto de verdade suporta um amigo?"

"Aliás, o que é a verdade?", já indagava Pilatos antes de crucificar o outro.

"Como combinar, articular, fazer coabitar a verdade nossa com a verdade do amigo?"

São muito delicados os amigos. Ou se quiserem, as amizades. São delicadíssimas. E é por isso que convém aceitar que cada amizade tem suas fragilidades.

Bom, se o anel que tu me deste era vidro e se quebrou, então, melhor seria que de diamante fosse. Este, inquebrantável. Mas amizade, convenhamos, é coisa humanamente frágil. E a gente pensa que ela está aí para sempre. Mas não tem a durabilidade centenária das sequóias, que ficam se alongando e nos ofertando sombra acima de tudo. Às vezes, as amizades são essas orquídeas, carentes de um tronco alheio onde se alimentar e florescer.

A gente pensa que amizade é coisa só de seres humanos. Não é. Os animais curtem amizades; alguns, o amor, e outros chegam à paixão extrema por seus donos. E, no entanto, amigos, alguns cães se mordem, quase se arrancam as orelhas num ou noutro embate, às vezes por uma cadela no cio, às vezes por nada.

Pode-se perder uma amizade por excesso de zelo, como se ao esfregar demais o tecido o rompêssemos. Cuidado, portanto, com o excesso, às vezes excessivo. Claro, também se perde amigo pela escassez de socorro ou de sinalizações afetivas. Também pela fala mal desferida. Ou mal ouvida. A gente fala ou escreve uma coisa, o outro ouve outra coisa. Se não der para desentortar a frase ou o ouvido alheio, a amizade fica torta.

Diz o apóstolo Paulo que o amor tudo suporta, tudo espera, tudo perdoa.

- Será assim a amizade?

Até hoje não ficou muito clara a diferença entre amor & amizade. Mesmo porque muito amor termina se metamorfoseando sem amizade; uma amizade pode virar amor, e podemos inimizar a quem amamos e nos esforçamos por ser amigo de quem nos despreza. De resto, para matizar ainda mais as coisas, os franceses costumam falar de "amizade amorosa", algo parecido com que aqui há tempos se chamou de "amizade colorida".

Mas o que fazer quando algo nos incomoda no outro e a gente sente que, se não falar, a amizade vai começar a ratear?

Não há amizade assim solta no ar. Cada amizade tem sua usança e sua pertinência.

Deveríamos então criar um manual, algo assim como "Amizade, modo de usar?". Ah, sim! mas isso já existe, está, lá naquele best-seller Como fazer amigos e influenciar pessoas.

Está?

Drummond tinha razão, uma triste razão, é verdade, ao dizer que as pessoas deveriam manter entre si a mesma relação que entre si mantêm a ilha e o continente, um certo distanciamento e uma não muito estouvada confraternização.

Mas aí a amizade vira algo pouco tropical, e como Thomas Merton dizia que nenhum homem é uma ilha, o que fazer com os que não têm a fleuma mineiro-britânica e não suportam viver num frio ou morno relacionamento?

Há pilotos que pousam pesados Jumbos com uma suavidade angelical, e por isso merecem aplausos.

Há médicos que fazem incisões profundas para manter o outro vivo.

Como dizer o que se deve dizer sem sangue ou náusea?

Um dia um ex-amigo me disse:

"No princípio tentei te imitar, depois resolvi te destruir."

Tive de me proteger.

Quem, como José Martí, dirá que "cultivo â rosa branca em junho e em janeiro para o amigo sincero que me dá sua mão franca, e para o cruel que me arranca o coração com que vivo, nem cardo ou urtiga cultivo, cultivo a rosa branca"!?

Delicadas, as amizades. Uns porque se aproximando do poder esquecem os que no poder não estão. Neste caso não se pode nada. Outros porque viajam de formas várias e absolutamente impenetráveis ao redor do próprio umbigo.

Retornarão algum dia?

Nesse caso, como dizia Neruda, os de então já não seremos os rnesmos.

Há vocacionados para amizade. Têm um dom natural. Árvores copadas onde se reúne o rebanho. Quando você vê, está todo mundo ali ouvindo, curtindo ou simplesmente estando.

Qual o grau de resistência de uma amizade?

De um metal podemos dizer: derrete-se a tal ou qual temperatura.

São delicadas, as amizades. E mesmo as mais sólidas às vezes se desmancham no ar.

By Affonso Romano de Sant'Anna

5 cousas:

Alberto Júnior disse...

Amiga, por isso que eu te amo e por isso que tenho amizade ao meu amor!

DNS

Dani M. disse...

Comigo pode falar, nossa amizade aguenta!!

Bjos lu, te amo!

Polyana Amorim disse...

só posso dizer: Te Amo Pra Caralho, Porra!

Du disse...

Putz, eu adoro esse tal de Affonso!
Gtandes verdades neste texto!

Beijos, bom domingo procê, queridona!

Lorena disse...

É, Luquinha, sei lá... Amizade é uma coisa inexplicável, não gosto de rotular e nem de tentar entender. E nem de pressionar demais. Existem aquelas que duram pra sempre e as que não duram pra sempre, pronto. O que faz uma ser assim e outra ser assado, não sei. Mas já aprendi uma coisa, que a gente não deve se aborrecer nem guardar ressentimentos de amizades que se desfizeram. Tudo tem seu tempo e cada pessoa tem um tempo na vida da outra. Melhor aceitar que muitas se vão para que algumas cheguem.
Ah, lembrei de uma coisa, uma cena que eu acho muito engraçada do filme Charada (com a minha adorada Audrey Hepburn e também Cary Grant). É a cena em que os dois personagens se encontram pela primeira vez, e ele pergunta se eles se conhecem. Então a personagem de Audrey responde:
"Eu já conheço um número grande de pessoas e até que uma delas morra eu não poderia de forma alguma conhecer alguém mais."
E é mais ou menos assim... =P

Ahh, e Affonso Romano de Sant'anna, eu o adoro, ele é incrível! Tem um poema dele que acho perfeito, toma:

Reflexivo

O que não escrevi, calou-me.
O que não fiz, partiu-me.
O que não senti, doeu-se.
O que não vivi, morreu-se.
O que adiei, adeu-se.

beijocas!